16/09/2010

A dor física é a mais solitária de todas.
Há um relato de um amigo, que certa vez, a dor das pedras nos seus rins estava tomando uma proporção tão insuportável que, ao avistar uma piscina, pulou de roupa e tudo e, bebeu água até começar a vomitar. Num ataque súbito de loucura, não haveria desabafo, choro ou relato que transpusesse aos conhecidos o que se passava ali, dentro dele. Até enlouquecer. Seu ato transferiu perfeitamente o que ele sentia.
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A dor se torna mais ferina ainda quando você vai ao encontro dela. A dor consentida queima arde borbulha e parece rasgar ainda mais quando você permite o sofrimento.
Eu queria ser mais amena. Eu queria ser mais amena para não assolar meus pés com tanto amor e com tanta frequencia, com hora e lugar marcado.
Eu queria ser menos severa. Menos severa porque eu sei que o molde é necessário e, um fio de cabelo fora do lugar pode comprometer todo o treinamento, o trabalho, a espera, o espetáculo, a realização.
Eu queria ser menos exigente com a forma, porque, estou completamente fora dela e regredir enquanto só se avançava é demais pra mim. Eu preciso da forma. Nada tem a ver com fôrma ou formato. Essa forma pode ser igualada à força. Física.
Eu queria ser menos síncopes. Tencionar menos quando meus ouvidos se permeiam de absurdos.
Eu queria ser menos esquecida, e que a minha frequência alfa se sobressaísse menos sobre a minha beta.
Eu queria conseguir colocar menos açúcar no suco.
Mas eu queria ser mais também. Um paradoxo:
eu queria ser mais doce, pra não ser tão intoxicante com tanta facilidade.
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Ainda assim, tudo isso perde proporção perto do que me aterroriza.
Não sei se estou sofrendo um aborto ou se estou na fase de nidação, fase em que o óvulo se prende na parede do ovário.
Não sei se estou perdendo uma parte de mim ou se brevemente vou ter de lidar com a responsabilidade que é a cria.
Mas ideias não se abortam, apenas são deixadas pra trás, as vezes desmaiadas mas nunca mortas, sacrificadas por medo. Gerar é a premissa e colocar no mundo é o resultado de uma solução. Deixar a criança grudada na barra da saia é desonrá-la.
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Hoje vi uma borboleta saindo do casulo, mas ela saiu meio desfalecida porque parecia que uma parte dela tinha ficado lá. Lá dentro, grudada na casca. Até agora não sei o que exigiria uma força maior: sair de lá, ou desprender aquele seu pedacinho do casulo. Ainda assim, seria incálculável.
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Eu tenho Hálux Valgo, um osso proeminente que fica na parte interna do pé, bem próximo do dedão. Dentro dele há um líquido. Acontece que o meu pé ta todo zoado, meu líquido inflamado e bem vermelho e inchado. Não tenho tido bolhas nem calos nem rasgos e isso poderia ser um sonho, mas a minha prece ontem parece que não foi ouvida. "No pain no gain", mil vezes martelando na minha cabeça mas não deu. Pedi arregoperdão, e tirei as sapatilhas no meio da coreografia. Que Mozart me perdoe, mas não deu. Antes tivesse sangrado...com a poça nos pés já estou acostumada. Mas a dor era dentro. Solitária demais, forte demais. Impossível fazer entender. Antes que eu enlouquecesse como o amigo e atirasse aquele gesso camuflado de rosa no espelho, pedi licença e me retirei.
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A única coisa que sei é que a dor mais atroz é a de dentro.
Quantos passarão e passam ao meu lado, todos os dias, cheios de hemorragias internas e eu não sei?
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um pouco da dedicação bruta, mas que acima de tudo, love is the only reason: