30/08/2010

Há muito tempo eu escrevi no meu cérebro a palavra "liberdade" com uma linha de lã, com muitos nós que eu duvido muito que algum dia descosture. Mas há mais algum eu inventei de costurar no meu peito a palavra "impossibilidades" com uma linha bem fininha, e ela parece não aguentar mais, ameaçando arrebentar a cada batimento cardíaco. Isso que dá costurar o coração com linha vagabunda.
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Minhas mãos continuam geladas, mas eu voltei a suar pelas mãos. Penso em nós...e não desfaço-os. Embolo cada vez mais.
Te reverencio, de coroa e tudo, por isso.

25/08/2010

quando nós, mulheres, nascemos, assinamos um contrato com a natureza que nos comprometa a sermos para sempre como borboletas. enquanto os homens, como búfalos. o convívio dos dois, é necessariamente fértil. a borboleta transforma em serenidade aquela brutalidade que há na manada dos quadrúpedes, enquanto estes, ensinam a nós, borboletas, sermos mais imponentes e rudes. alguns, no entanto, preferem manter a distância ou simplesmente não notam a riqueza que há na troca. mas ainda assim, existem habilidades em que sempre uma espécie irá imperar sobre a outra. no âmbito da força, por exemplo, não existe a menor possibilidade de o bicho efêmero vencer o mamífero chifrudo. a não ser pela hipnose. porque você acha que a maioria dos monstros da literatura são inspirados em mulheres?










24/08/2010

hoje eu queria sair
sair e derrubar as folhas secas das árvores
deslizar pelos corpos e por uma multidão
queria bater gelado
no rosto dos que correm - sem música
gostaria de causar um vendaval
daqueles bem rápidos
que não fazem mal

mas me disseram que um dia
por pelo menos um dia,
todos nós poderemos vir a ser funestos.
me deram a notícia escrita
num pedaço de cetim
que poderei virar o umbigo de um furacão
derrubarei postes e causarei catástrofes
- triste seria o meu fim

mas eu ainda vou carregar muitas sementes
e aproveitar o que ainda me há de cortês
ficar rarefeita
e perto daquele que ensina
porque quero sair das bocas junto das palavras
que formam
e informam
essa é minha verdadeira sina

devo aproveitar tudo pois um dia, bem o sei,
poderei parar no norte do mundo
e petrificarei
junto das águas
o que mesmo serei?

eu gostaria de descansar sobre as mãos do baleiro,
acompanhar o dia inteiro um bombeiro,
encher o tórax de quem dança,
repousar sobre os ombros de uma criança,
ou ficar espalhada pelo chão mesmo
esperando o peso incalculável de quem cai
porque se arrisca
à esmo

mas a missão de hoje é fácil
terei de surgir na sua janela
e te descobrir.
sou feita de ar,
e uma vez que não posso ser presa
permaneço
corro
e cresço
dentro de tudo.

o meu maior medo? me perder em meu devaneio
como acontece com a maioria
dos que me rodeiam.

20/08/2010

meus olhos doem. às vezes chegam a arder.
aqui, no meu mundo imaginário, a colonização foi diferente. porque dou à minha imaginação a força de mil batalhões - há quem compare com a força de um olhar de uma criança, e aqui, neste mundo palpável, onde meus dedos dançam por entre as teclas de marfim de um piano, ou pelas plásticas de um computador, retrocedo e me uno aos índios, ainda sem a interferência dos homens brancos. a indumentária e o clima me entregam onde estou. os olhos rasgados não me julgam e não me olham pelo canto deles. sou um viajante, penso. e me permito com liberdade. ando por suas moradias, simplórias e ricas - aqui imperam as frutas, os chás, tudo o que naquele mundo - palpável, é mixaria, aqui é riqueza. me comunico com um deles, e a conversa flui naturalmente. nunca ouvi essa língua, percebo, mas eu sei utilizá-la. a linguagem é mesmo um instrumento. nada tem a ver com português, russo ou inglês, mas eu também a domino. eles sabem que sou passageira e trocam informações comigo, querem ouvir experiências de um outro mundo, aquele que está muito longe e que não vai existir pois já disse, no meu mundo a colonização foi diferente. me perguntam qual é a comida do meu mundo, e eu digo, "vamos ao supermercado comprá-la", e lhes explico, "não são todos que têm acesso", "como assim?", indagam apavorados, e eu digo que se deve ter pedaços de papel com algum valor - e lhes explico o que são papéis, e quais são os mais valiosos. os alimentos podres vão para os pobres - e lhes explico o que é ser pobre, "eles entram no mercado e pegam restos do chão", e eles dizem, "e estes não são seus irmãos?", e lhes digo que não, e o chefe da tribo me diz furioso que todos ali estão sob o cuidado de todos. mas eu digo para não se preocuparem por que estou convicta, a colonização vai ser diferente e, portanto, nada daquilo irá acontecer. mas eles não entendem e deixam pra lá.
sou um viajante e me reconheço no masculino porque o pronome é indefinido, e a última coisa que preciso agora é me definir.

vim até o século XIV para perceber que o homem vai no Japão que há na Disney e não percebe nada de diferente. "o que há de mais diferente é o que não se vê. o ar é outro", diria. seus olhos estão tão acostumados com a perfeição que as moedas podem comprar, que seus sentidos não têm mais valor. são apenas prejetores do que seus olhos vêem. o maior problema da humanidade. deus lhe dá olfato paladar e tato, mas a única coisa que o homem usa são as bocas escancaradas que prometem ouro e cédulas e cédulas e cédulas. pensam que podem comprar tudo, e podem, mas não a sensibilidade. por isso os turistas tiram fotos de tudo, de nem sabe o quê, de construções humanas ou não, para só apreciar depois, em conjunto, tudo o que não se viveu. porque o homem nasceu para viver em grupo.

por aqui, ainda não passaram cavalos nem homens famintos por trabalho escravo e pedras reluzentes. os poucos que me notam, não se escandalizam. sinto que faço parte deste cenário e que não uma intrusa como os que rondam o mundo a fim de relatarem o que foi visto em jantares de boas vindas e só. aqui não sou turista. não uso mapa nem dicas e dicas de lugares imperdíveis. estar aqui é imperdível. eu apenas caminho, meu faro é o meu melhor guia. meus olhos ainda ardem, mas já não doem. é só uma reação por tentar reter todos os lugares e símbolos e gestos e comportamentos e olhares. algo que no meu mundo, já não se experimenta. eu tenho dois olhos que querem reter o máximo de olhos possíveis. eu gosto de olho no olho. peço licença à minha imaginação, e agora é ela quem me permite. aqui, na minha viagem começo a pensar como será a colonização desse mundo - antes do mundo das fábricas e fábricas e fábricas e das lâmpadas. não faço piada, e em nenhum momento sorrio. carrego agora, o peso do mundo, da sua história, da formação de segmentos. agora estou no século XV no oeste dos EUA, e desembarcam aqui povos orientais. o choque é imediato. pessoas que nunca se misturaram com outras visivelmente diferentes que não falam a mesma língua e não tem nem mesmo a cor igual. no entanto, no primeiro momento, diferentemente da primeira colonização, naquela não inventada e que está apenas congelada e nada no mundo será capaz de mudar, na minha colonização, estes homens não procuram as diferenças mas as igualdades. têm dois olhos, uma boca, dois braços e cinco dedos em cada mão. andam, emitem sons, dormem e pensam. na minha colonização às avessas há muita troca. os asiáticos também têm adoração pela natureza, e cultuam mais de um deus. a cor da pele não importa, porque os índios já haviam observado que os pássaros rosas vivem com os azuis em harmonia e cantam todos os dias e começam logo quando acordam. o motivo de os terem levado ao extremo oeste daquele continente foi o que consideraram ser a alucinação de um menino de uma tribo da Indonésia. o menino tivera visões durante anos, e avisava que existiam "pessoas lá, lá", e apontava com o dedo para o nordeste asiático, querendo atravessar o mar. quiseram certificar, e depois de meses navegando, os homens chegaram "lá". relatos em pedra, os amarelos continuaram a busca. após a confirmação do dado dado pelo menino não alucinado, queriam provar e provar e provar. dali a alguns anos, os laços estariam cada vez mais estreitos. famílias ameríndias asiáticas iam se misturando e se combinando. numa marcha agora ao extremo leste, encontraram mais uma vez o mar -lá naquele mundo, o distante, a atual Nova York. os que marchavam pensaram ter dado passos pra trás e imaginaram suas origens depois daquelas águas. "pensarão ter chegado ao fim das buscas, pois como no início, verão o mesmo mar descrito, mas a descoberta do mundo ainda não acabou". os homens se surpreendiam com as confirmações das palavras do menino e continuavam a marchar. aqueles homens tinham uma missão, e iam surgindo cada vez mais tropas e vontades crescentes de conhecerem todos os filhos do mundo e tudo que a natureza tinha de oferecer. deveriam agora, ir em direção ao sul. o mais lúcido de todos os meninos que já existira no mundo relatara "ainda não estará no momento de sair da terra novamente. reúna sua família que está espalhada por todo este continente, de oeste a leste, antes que os outros saiam de suas terras, e pensem que o que está além está aquém, pois vocês saberão o momento de atravessar as águas". e souberam. no meu mundo, os encanamentos ainda são feitos de ouro e o petróleo não é capaz de gerar guerras. meu mundo é constituído por viajantes, e estes caminham na intuição, não têm nada a perder. nem posto, nem dinheiro nem valor. seguem por que querem, seguem por que precisam. e isso, não há nada no mundo que pague, e nenhuma mão que receba.