12/03/2015

quando ocorre a intimidade

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texto escondido aqui nos rascunhos do blog.

nov. 2012 -

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Após algum tempo frequentando um mesmo salão, ocorre a intimidade. Principalmente nas mesmas circunstâncias, sempre no mesmo horário, dia e contexto. Quem faz as minhas unhas é uma menina ainda, no jeito e forma, de puro encantamento desde a primeira vez que vi. Coisa de santo, digo desde pequena. Astral, atmosfera ou deus-sabe-oquê, eu tenho isso. Quando bate, bate, vicio na pessoa. Ou não. Aí vira tudo ao contrário.
A questão é que ocorreu a intimidade e, quando isso acontece, fala-se sem pensar. Quando aconteceu, tive a sensibilidade aguçada, como na maioria das histórias pessoais e duras em que apenas escuto e não tenho muito o que dizer.
Nunca gostei de expôr tão facilmente o que estudo/penso/faço/pesquiso para desconhecidos, principalmente por que sei que causa curiosidade demasiada e incompreensão des-abastada, o contrário se eu estudasse administração ou direito. E ainda mais num lugar desses, povoado por manecas a fim de engrandecer suas maravilhas. Cílios, cabelos, garras. É a confraternização das felinas, tilintar de saltos e bolsas jogadas imperativamente no balcão. Ou seja, um lugar, no mínimo, detestável. Continuemos.
Nunca me senti à vontade em falar o que faço porque eu sei que é muito, pela quantidade mesmo. Para casa, vou apenas dormir e, muito pouco. Sinto-me uma operária alienada de Marx às avessas, no qual pensa até não saber mais o que está fazendo. Ingiro carboidratos pensando apenas em alimentar o cérebro. "Comida para os neurônios", a professora de biologia dizia. Por isso às vezes também prefiro ser confundida com uma maneca pois, é muito mais fácil. São 7 atividades diferentes por semana, sendo 5 delas, pensantes. E suavizar essa atmosfera dá trabalho, requer paciência e tempo. Mas ela perguntou. E por ter sido ela, de educação e simpatia nunca vistas antes, falei, sem neura, sem mentir. Contei tudo e, numa maravilha doce, ela disse - a sua mãe deve amar muito ter uma filha como você. Não entendi o desencadeio de seu raciocínio, mas calei-me. Nunca tinha almejado isso antes, um orgulho familiar, paterno ou materno, o que seja. Sempre fiz o que quis, daí a pergunta inútil dos desavisados - porque você faz isso?, seguida da minha única resposta e menos arrogante possível, - porque não fazer? Uma outra pergunta.

Voltemos. 

Aquela frase foi o toque permissivo para adentrarmos em nossas intimidades. Ela se expôs também, sem pensar e, eu ouvi, sem medo. No final daquilo tudo, só consegui olhar para minhas unhas. Enxerguei todas as nuances do meu esmalte e, quis repintá-las todas de preto.
Me tórax pesou feito chumbo, a pior sensação das sensações. Mas tudo então fez sentido, aquela frase foi a última peça daquela história, de maneira retrógrada. E logo me tornei âncora, me senti fixada ali e, quase pude me ver lá do alto da cidade, no meio de prédios titânicos, dentro de um salão feito de louça, sentada numa cadeira, fazendo o que mesmo?
Poderia repintar a unha mais 10 vezes, mas não pude. Lógico que não. Eu tenho hora, pensei. Mesmo abominando relógios, ele está ali. No subconsciente, no alto dos prédios, na expressão na face da cliente seguinte, intransigente com sua dúvida sobre a cor do esmalte, ou na cara do professor que não te perdoa, mesmo que você chegue esbaforida.
Então eu tive que ir, tchau -------------, semana que vem nos vemos, obrigada mais uma vez. Uma pausa para minha respiração.
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Ao descer as escadas correndo e mergulhada numa realidade que me era absurda, um homem caminha em minha direção logo quando atravesso a porta, e me pergunta, mergulhado em toda a calmaria do mundo, se quero conhecer a palavra de deus. Juro que tenho vontade de responder que sim, mas penso em tudo que acabei de ouvir. Tenho vontade de pedir desculpa, mas meu senhor, jamais ouvirei a palavra de deus dita por um homem. Acredito em deus e no seu peso, na sua força e em tudo que é capaz de mover. Acredito na sua vida de andarilho e nos quilômetros que Jesus percorreu pelo Egito. Acredito nos povos egípcios, no mistério de Tebas e em todos os fariseus. Respeito vossa Madre e todas as outras do mundo. Acredito na dor como uma chave permissiva a desculpa, fruto das chagas de Jesus, certamente. Acredito na potência dos hijabs que cobrem os corpos e os corpos das islâmicas e juro que não as critico por isso. Acredito na força dos atos mais do que nas palavras, na voz da Nina Simone e a reproduzo como uma prece. Acredito em legados místicos, inspirações indígenas e velas acesas, rituais circulares, na Umbanda. Acredito na vontade de ir ao lugar em que o filme foi gravado para tentar reter no olhar de maneira diferente, de perto. De forma real e irreal. E na necessidade do mergulho do mar, adentramento nas ondas, lavagem da alma. Acredito na lealdade e em gente que repudia a traição, coisa dos homens, amigos, pais, filhos, Ocidentais ou não. Acredito no expurgo do pessimismo como no do câncer, mesmo tendo que matar células inocentes. Acredito na beleza quase que insuportável do deserto Atacamenho, dos jardins de Amsterdam na primavera e nos de Monet, no verão ou inverno.
Quis dizer ao homem parado a minha frente, que deus não está dentro de quatro paredes, sofrendo sob cruzes, mas diante dos olhos de cada um de nós, terrestres. Enxerga quem quer. E sabe de mais uma coisa senhor? Homens verdadeiramente humildes não gostariam de ser idolatrados em altares, como você. E deus há de amparar a ----------, protegendo sua família, crianças e marido. Porque todos nós temos anjos, mas materializados, só os animais.

A verdade é que sou crente. Crente de almas atordoadas, vide os olhos; da crença alheia; do sofrimento do homem como forma de engrandecimento; de rodas de samba, de ciranda, de amor. Sinto vontade de dizer tudo isso ao homem mas, uma menina de aproximadamente 4 anos passa ao meu lado e diz, cheia de contentamentos - que teatro lindo, mamãe, apontando pro Municipal. E é só disso que eu preciso pra continuar andando.......