12/03/2015

quando ocorre a intimidade

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texto escondido aqui nos rascunhos do blog.

nov. 2012 -

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Após algum tempo frequentando um mesmo salão, ocorre a intimidade. Principalmente nas mesmas circunstâncias, sempre no mesmo horário, dia e contexto. Quem faz as minhas unhas é uma menina ainda, no jeito e forma, de puro encantamento desde a primeira vez que vi. Coisa de santo, digo desde pequena. Astral, atmosfera ou deus-sabe-oquê, eu tenho isso. Quando bate, bate, vicio na pessoa. Ou não. Aí vira tudo ao contrário.
A questão é que ocorreu a intimidade e, quando isso acontece, fala-se sem pensar. Quando aconteceu, tive a sensibilidade aguçada, como na maioria das histórias pessoais e duras em que apenas escuto e não tenho muito o que dizer.
Nunca gostei de expôr tão facilmente o que estudo/penso/faço/pesquiso para desconhecidos, principalmente por que sei que causa curiosidade demasiada e incompreensão des-abastada, o contrário se eu estudasse administração ou direito. E ainda mais num lugar desses, povoado por manecas a fim de engrandecer suas maravilhas. Cílios, cabelos, garras. É a confraternização das felinas, tilintar de saltos e bolsas jogadas imperativamente no balcão. Ou seja, um lugar, no mínimo, detestável. Continuemos.
Nunca me senti à vontade em falar o que faço porque eu sei que é muito, pela quantidade mesmo. Para casa, vou apenas dormir e, muito pouco. Sinto-me uma operária alienada de Marx às avessas, no qual pensa até não saber mais o que está fazendo. Ingiro carboidratos pensando apenas em alimentar o cérebro. "Comida para os neurônios", a professora de biologia dizia. Por isso às vezes também prefiro ser confundida com uma maneca pois, é muito mais fácil. São 7 atividades diferentes por semana, sendo 5 delas, pensantes. E suavizar essa atmosfera dá trabalho, requer paciência e tempo. Mas ela perguntou. E por ter sido ela, de educação e simpatia nunca vistas antes, falei, sem neura, sem mentir. Contei tudo e, numa maravilha doce, ela disse - a sua mãe deve amar muito ter uma filha como você. Não entendi o desencadeio de seu raciocínio, mas calei-me. Nunca tinha almejado isso antes, um orgulho familiar, paterno ou materno, o que seja. Sempre fiz o que quis, daí a pergunta inútil dos desavisados - porque você faz isso?, seguida da minha única resposta e menos arrogante possível, - porque não fazer? Uma outra pergunta.

Voltemos. 

Aquela frase foi o toque permissivo para adentrarmos em nossas intimidades. Ela se expôs também, sem pensar e, eu ouvi, sem medo. No final daquilo tudo, só consegui olhar para minhas unhas. Enxerguei todas as nuances do meu esmalte e, quis repintá-las todas de preto.
Me tórax pesou feito chumbo, a pior sensação das sensações. Mas tudo então fez sentido, aquela frase foi a última peça daquela história, de maneira retrógrada. E logo me tornei âncora, me senti fixada ali e, quase pude me ver lá do alto da cidade, no meio de prédios titânicos, dentro de um salão feito de louça, sentada numa cadeira, fazendo o que mesmo?
Poderia repintar a unha mais 10 vezes, mas não pude. Lógico que não. Eu tenho hora, pensei. Mesmo abominando relógios, ele está ali. No subconsciente, no alto dos prédios, na expressão na face da cliente seguinte, intransigente com sua dúvida sobre a cor do esmalte, ou na cara do professor que não te perdoa, mesmo que você chegue esbaforida.
Então eu tive que ir, tchau -------------, semana que vem nos vemos, obrigada mais uma vez. Uma pausa para minha respiração.
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Ao descer as escadas correndo e mergulhada numa realidade que me era absurda, um homem caminha em minha direção logo quando atravesso a porta, e me pergunta, mergulhado em toda a calmaria do mundo, se quero conhecer a palavra de deus. Juro que tenho vontade de responder que sim, mas penso em tudo que acabei de ouvir. Tenho vontade de pedir desculpa, mas meu senhor, jamais ouvirei a palavra de deus dita por um homem. Acredito em deus e no seu peso, na sua força e em tudo que é capaz de mover. Acredito na sua vida de andarilho e nos quilômetros que Jesus percorreu pelo Egito. Acredito nos povos egípcios, no mistério de Tebas e em todos os fariseus. Respeito vossa Madre e todas as outras do mundo. Acredito na dor como uma chave permissiva a desculpa, fruto das chagas de Jesus, certamente. Acredito na potência dos hijabs que cobrem os corpos e os corpos das islâmicas e juro que não as critico por isso. Acredito na força dos atos mais do que nas palavras, na voz da Nina Simone e a reproduzo como uma prece. Acredito em legados místicos, inspirações indígenas e velas acesas, rituais circulares, na Umbanda. Acredito na vontade de ir ao lugar em que o filme foi gravado para tentar reter no olhar de maneira diferente, de perto. De forma real e irreal. E na necessidade do mergulho do mar, adentramento nas ondas, lavagem da alma. Acredito na lealdade e em gente que repudia a traição, coisa dos homens, amigos, pais, filhos, Ocidentais ou não. Acredito no expurgo do pessimismo como no do câncer, mesmo tendo que matar células inocentes. Acredito na beleza quase que insuportável do deserto Atacamenho, dos jardins de Amsterdam na primavera e nos de Monet, no verão ou inverno.
Quis dizer ao homem parado a minha frente, que deus não está dentro de quatro paredes, sofrendo sob cruzes, mas diante dos olhos de cada um de nós, terrestres. Enxerga quem quer. E sabe de mais uma coisa senhor? Homens verdadeiramente humildes não gostariam de ser idolatrados em altares, como você. E deus há de amparar a ----------, protegendo sua família, crianças e marido. Porque todos nós temos anjos, mas materializados, só os animais.

A verdade é que sou crente. Crente de almas atordoadas, vide os olhos; da crença alheia; do sofrimento do homem como forma de engrandecimento; de rodas de samba, de ciranda, de amor. Sinto vontade de dizer tudo isso ao homem mas, uma menina de aproximadamente 4 anos passa ao meu lado e diz, cheia de contentamentos - que teatro lindo, mamãe, apontando pro Municipal. E é só disso que eu preciso pra continuar andando.......

22/01/2014

Rótulos vêm tarde - se você tiver sorte.

Somos uma coisa a vida inteira até a hora em que exista uma palavra para isso, que não necessariamente se integre com o que você sente, deep inside.
Ficou um certo tipo de rosnado guardado aqui dentro.

Hoje entendo que é um tipo de querer, pois percebi que a escola de John Fante foi Bukowski e, do Bukowski foi Dostoievski. Fui querendo&descobrindo&instigando e, acabei trocando os três pela Clarice. E esses sentimentos retornam a mim, com rótulo iluminado e tudo, bem o sei. Do rosnado e do querer, consigo captar o grito da prisão das meninas ----- Pussy Riot, coletivo russo de mulheres.
Escuto-as emergindo naquelas situações que te fazem sentir como um macaco em roupas de bebê, ou um peixe fora d'água, algo comum pra mim, devo dizer.


Fui uma faca de dois gumes desde o início da vida.
"Fio desencapado" intitulada pelo pai ou, em "estado alfa" por tantos outros íntimos.
Fui então, uma criança quieta, uma adolescente quieta, uma adulta quieta. Fui, também, uma criança bélica, uma adolescente bélica e, me torno cada dia mais, uma adulta bélica. Numa dicotomia que parece absurda, é necessário uma calma de gato e uma sabedoria marítima para que não se torne apenas um bezerro histérico, nessa última condição.
Um estudo sobre pedras e Aristóteles me fez entender que, somando extremos, resultamos em um equilíbrio manso.
Quando tentamos enxergar algo muito de longe, o que é gigante nos parece minúsculo e, não temos uma visão real do que se vê. Enquanto, aproximar demais uma imagem, nos distorce e embaça a visão.
Ser bélica, portanto, não tem a ver com urros ou gritos: o peito amarga quando há o abuso de poder, a injustiça, a renúncia, a injúria.
Não gosto quando não entendo, por isso, estimulo o acúmulo de raciocínio em vários idiomas.

Nunca senti precisar me comunicar com pessoas que eu já sabia que não iam entender (os ditos bezerros histéricos, como já mencionado) e, devido a isso, nunca tive a necessidade de ser compreendida por todos. Apenas queria ser, independente dos dedos e dos julgamentos dos outros. Então fiz 15 anos, queria fazer cinema, ler os beatniks, ver, ser, conhecer.

E os rosnados continuaram aqui dentro, mesmo que amansados.
Adélia Prado disse que, se os lobos corressem fora de nós, bastava um pedaço de pau e nós os afugentaríamos. Mas o movimento é deep inside
Daí o interesse em entender o Pussy Riot, pois é preciso ir um pouco além. É preciso saber sobre o outro lado do mundo, o Oriente, a Rússia, Putin, a questões religiosas e suas consequências.
Sendo simples e rasa, o Pussy Riot fez um protesto contra Putin, duas de suas integrantes foram presas e corriam o risco de ficar 5 anos em regime fechado por blasfêmia. Há pouco, saiu a notícia de que serão absolvidas, após a prisão em 2012. Certeza que a anistia foi concebida para melhorar a imagem do país, por sediar a Copa de 2016. Esta anistia marca os 20 anos da Rússia pós-soviética e, foi um acordo feito que atingirá mais de 500 mil detentos. Isso daria um livro mas, voltemos.

Quando se mora no Brasil, é louco pensar nisso. Protesto político aliado a condição sexual.
Aqui a revolução não é nem silenciosa, quem dirá sexual.
E eu moro no Rio de Janeiro. Cidade da festa da carne, do calor infernal, e das Havaianas.
Aqui, vulgar é quem não mostra o corpo.
Ofensivo, é quem não cultua o corpo.
Todos concluem, portanto, que o mais óbvio é mostrá-lo e tornar-se semi-deuses. Deusas.
E não há nada de mal nisso. Mas esse não é o início de conto grego...entendamos:

O Brasil é um país em constante desenvolvimento, e todos sabemos. É também, desde sua descoberta, um país de machos. Sua menina dos olhos, é o Rio de Janeiro, São Paulo que me desculpe. Uma cidade de praia, areia na porta do trabalho e de casa, turismo atrelado à economia, caipirinha&diversão, portanto: sem política. Todos sabemos da valorização esdruxulamente crescente dos imóveis, da camada de pré-sal e seus investimentos, do pão mais caro que o croissant da França, e do mundo inteiro querendo uma fatia de nós. Mas as mulatas parecem ser maiores. Uma cidade onde ser mulher implica biotipo e, livre direito de admoestação masculina - é o que eles pensam.
Ser mulher no Rio é viver sob a pressão do corpo. É ouvir frases indesejáveis de homens indesejáveis na rua, ser incomodada por carros em movimento que impedem a sua passagem para ouvir asneira. Ser mulher no Rio de Janeiro é ser desrespeitada todos os dias. Será preciso andar de burca ou ser feia pra ser tratada como uma mulher respeitável?

Em uma pesquisa realizada recentemente, cerca de 99,6% das quase 8 mil mulheres questionadas, já passaram por situações constrangedoras nas ruas.
Imaginando que algum comentário sobre nosso corpo feito por estranhos seja admissível, qual o limite entre o elogio aceitável e a cantada ofensiva? Pode chamar de linda? Pode passar a mão no cabelo? E colocar a mão no braço, pode? Parece que muitos acham que sim. No levantamento, 85% das mulheres afirmaram já ter sido tocadas ao andar sozinhas. 
Não raro, quando sofremos uma agressão dessas, pensamos: 'Como eu estava vestida?'. Como se isso fosse uma justificativa, ou se isso importasse. Esse raciocínio já é uma forma de violência.

Há um comportamento retrógrado nessa cidade, mesmo caminhando para a globalização do Estado, recebendo estrangeiros que buscam aqui lar e trabalho, com as grandes potências quebradas. E dentro dessa configuração, a mulher continua a ser tratada dessa forma no convívio básico, no dia-a-dia da ida à padaria, à praia ou ao trabalho. Mas eles não farão nada por nós. Cabe a nós, fêmeas que grunhem ou miam, que o façam.

Quando um homem qualquer se sentir no direito de abordar uma mulher da forma que lhe aprouver, rosne como um cachorro, um gato, um tigre, uma leoa grrrrrr e ainda CUSPA DE VOLTA. 

Tudo que podemos exigir é respeito. Respeito enquanto nação, e enquanto mulheres.

08/11/2012

"Hoje é quinta-feira. Ou sexta? Na verdade não importa, e adoro isso. Sou livre. Poderia estar voando pra Paris nesse momento. Ou para o Japão. Porque mesmo não vou ao Japão? Os pés atrofiados das japonesas me dão agonia. Membros amarrados ainda quando crianças a ponto de comprometerem sua forma de andar para sempre. Cruzes, deve ser por isso. "São imperdoáveis membros miúdos em demasia", certa vez disse Fernanda Young. "Exagerando, membro nenhum miúdo. Os homens devem ser grandes para se aproximarem melhor de Deus. Os homens devem voar." Pensando nisso, eu poderia estar correndo na praia. Debaixo de uma chuva de granizo. Poderia não me importar com a minha saúde. Talvez eu não seja tão livre para isso. Hoje deve fazer sol. Gostaria de ler o dia inteiro debaixo da sombra de uma árvore. Estamos no inverno, seria maravilhoso. Ler me ajuda a me distanciar dos meus pensamentos mais incongruentes. Me ajuda a não pensar em quantas pessoas cabem em um órgão. O coração não deveria ser só mais um órgão? Gostaria de saber o tamanho da parte dele designado somente para o amor. Até onde seria o bastante por ele? O que é o bastante? E se eu já tiver feito tudo, como vou saber? O que eu sei que conseguiria deixar pra trás? Quem você sabe que seria capaz de amar? Ler me previne de tudo isso. De olhar para a parede e pensar nos microorganismos que entram ainda vivos no nosso corpo quando inspiramos, e saem já mortos, quando expiramos. Por quê? Por que respirar? É tão óbvio mas, assim, o que poderíamos colocar no lugar? Afinal, poderíamos ter braços no lugar das pernas e pernas no lugar dos braços. Instintivamente faríamos tudo ao contrário, não é mesmo? Não existe o preto e o branco? O dia e a noite? Quintana e Bukowski? Kelly Key e Tchaikovsky? Então, duvido responderem essa. Quem souber, eu caso. Poderia tatuar no meu braço como promessa. Como eu gostaria de saber! É necessário mesmo uma resposta? Porque penso nisso? Em toda essa esquisitice enquanto respiro. Alguém ao menos sente isso? Olho pro céu. Tenho a certeza de que ninguém sabe, consequentemente não vou precisar me casar com um desconhecido que saiba uma banalidade dessas. Ainda bem.


Hoje não vai fazer sol. O céu tem sua metade azul e a outra metade cinza, e duas nuvens absolutamente idênticas pairam uma sob a outra. Um espelho gigante, da espessura de um fio de cabelo - no qual só consigo enxergar através dos olhos do meu subconsciente, reflete duas montanhas brancas de algodão lá em cima. Eu poderia ser Dalí nesse momento. E sou. Posso ser o que eu quiser, na verdade. Só preciso do rocambole com pedaços de morango e chantilly aqui do lado, porque a verdade mesmo, é que ler piora tudo.

'Fecharemos para obras, mas reabriremos em breve. Aguarde notícias aqui.'

Não sei se acredito. Que placa horrível. Um aviso do que já vai, esperando que se prepare um buraco no peito para o vazio se formar. 'Aconcheguem seus corações, estou partindo, saindo de suas vidas. Podem se conformar? Com licença...por favor, com licença, me larguem!' - era o que deveria estar escrito ali. Porque eles não fecham as portas da padaria e desaparecem de uma vez? Sem aviso, cairiam mais facilmente no esquecimento. Que horror. Aquilo me soa como um consolo. Um consolo àqueles que acordam as 5 da manhã com desejo de comer o rocambole com pedaços de morango e chantilly. Sinto piedade de mim. Definitivamente não acredito no que está escrito. Quantos dias eu ainda tenho? Tempo suficiente pra montar um estoque de rocambole, espero."

Com a boca doce e o coração molhado, lembrou da casa de shows que também decidiu pendurar uma placa muito parecida, numa época em que de tanto frequentar, sentia que ali era onde realmente morava.

"A casa das noites em branco e das inesquecíveis. Das brigas infantis e das reconciliações desesperadas. Das conquistas que nunca aconteceram, das que duraram até meio-dia do dia seguinte. Das companhias da noite, de domingo, e das que sequer existiram. Aniversários, comemorações e desejos. Desejos de sim, desejos do não. 'Casa' porque afinal, em casa você sabe o que encontrar. A vida na adolescência, na maioria das vezes, é muito previsível. O lugar onde aprendi a namorar, a bater cabeça e a dançar livremente. Sem as técnicas dos fouettès e grand pliès. Mas um dia a casa 'fechou para obras', e nunca mais abriu. Depois ouvimos boatos que corríamos risco de incêndio. Eu até que poderia me pendurar no lustre e escalar até janela, mas não foi preciso. Desde então nunca mais acreditei nisso, só fingi que sim pra evitar um desespero muito maior - o de nunca mais ter. Nunca mais ter é demais pra mim. Será que eles pensam que o anúncio da dor é menos tensa? Uma espécie de dor mais lenta, talvez? Que loucura. Como quando a pessoa entra no barco e se despede, adentrando cada vez mais no infinito do mar. 'Que Iemanjá o tenha', penso pensando. Não entendo bem o nível de maldade que construí essa frase, mas vamos lá. As coisas acabam. De forma abrupta ou não. É preciso aceitar isso. A realidade mata um sonho, uma decisão acaba com um relacionamento, a possibilidade de um incêndio acaba com o lugar que abriga a memorabília da sua adolescência, ou com seu rocambole preferido. Porque o último capítulo de um livro precisa ser escrito. Até o luto precisa acabar para dar lugar a uma nova vida que será, em tempo, um novo luto. A vida precisa continuar. 'When we wrong we move along', não era assim aquela música, horrível por sinal? Mas não deixa de ser a verdade."

Com outra garfada, termina a fatia do rocambole. Completamente absorta pelo enredo pessoal, percebe que é assistida por dois rapazes, às 5:15 da manhã. Sente-se um rocambole com pedaços de morango e chantilly.

'Que deselegante, ainda nem acordei'. Com a minha calma de gato, olho para o pulso e lembro de respirar. Volto para casa.

Não consigo mais dormir. Porque como a padaria previu, eu senti. E quem sente, apalpa o peito para tentar lembrar o que antes tinha ali. Sinto muito, mas nem me lembro mais. Não costumo segurar o que já vai.

Vou para Paris. Preciso encostar o nariz em Van Goghs e Gauguins. Au revoir, adieu, fini!

06/02/2012


Faz muito tempo que não consigo não acabar achando todas as pessoas que venho a conhecer, tão desinteressantes. O problema em ler livros é ficar mal acostumada com diálogos naturalmente incríveis. Mas com a educação que me conceberam, me permiti prestar uma atenção diferente em cada razão, deficiência ou qualidade dos que me rodeiam. Tento me colocar totalmente contemplativa e sem julgamentos diante dos retalhos que me apresentam, principalmente quando disseco as partes. Mas o mais difícil, é conseguir ser tolerante a situações de caráter duvidoso ou arrogância. Ainda não tenho a capacidade de lidar com absoluta frieza quando alguém deseja o mal. Sempre me pergunto se a pessoa percebe o que está desejando ou se o faz inconscientemente. Não sei o que é pior mas, para amenizar o sentimento nessa situação, relembro de uma história que minha mãe contou quando eu era ainda muito nova.

Há a história sobre uma Marquesa. Uma mulher que continha nela todos os atrativos para que a quisessem mal. Ainda menina, foi levada por um homem da corte e mantida em cárcere como sua amante. Quando conseguiu fugir, foi marginalizada por todos da cidade. Porque como a sociedade é injusta, além de causar inveja nas mulheres por sua beleza, viam o sequestro de maneira inversa. Julgavam-na culpada por seduzir um homem mais velho e viver com ele de forma profana. Até que a Marquesa se rebelou e fez a escolha de não se envolver institucionalmente com homem algum, ao contrário; seria uma amante livremente (do verbo "amar", não tendo nada a ver com "traição").
Um dia, a Marquesa fez uma grande festa em sua casa, e convidou todos os habitantes da pequena cidade. Todos os homens compareceram, mas a grande maioria das mulheres, não. No meio da festa, um lacaio trouxe uma caixa enviada pelas mulheres ausentes, especialmente para a anfitriã. A Marquesa abriu o presente, em meio a todos os convidados muito curiosos, e o choque foi de todos: a caixa estava cheia de bosta de cavalo, uma atitude pensada para denegri-la e feri-la em sua própria casa.
Na primeira oportunidade em que houvesse uma reunião entre as mulheres ausentes, a Marquesa também mandaria entregar uma caixa de presente por meio do lacaio. Dizem, inclusive, que as mulheres da cidade se reuniram para rir do escândalo que haviam feito. E foi nessa ocasião em que o troco seria perfeito. Quando o mesmo lacaio entrou no salão carregando uma caixa maior e ainda mais pesada, a patroa abriu. Era um maravilhoso arranjo com flores colhidas e ornamentadas pessoalmente. Junto, trazia um bilhete, de punho da própria Marquesa, que dizia: "A gente dá o que tem".

16/01/2012

Já escrevi sobre o meu amor por perfumes, cavalos e pedras. Junto à minhas adorações, o meu maravilhamento por dentes.

Eu amo dentes. Dentes branco casca de ovo. Porque assim que devem ser. Dessa forma, serão para sempre os maiores indicadores de higiene ou podridão. Denunciam vícios, uso de cigarros, coca-cola, café ou desleixo. Porque qualquer sorriso banguela ou com algo de errado obscurece a atmosfera. Por isso dentistas são reparadores da alma, os únicos profissionais permissivos a utilizarem a hipnose como método anestésico. Dizem que a dor causada pela morte de um nervo por engano pode ser transcendental. Não sei se é verdade, mas eu acredito e temo.

Em uma mitologia de linear provocadora sobre a humanidade, geralmente apresentada no início do curso de Sociologia, dentistas são referidos como “Homens-da-boca-sagrada” pois, acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Há a comprovação também da existência de uma forte conexão entre características orais e morais.

Um dia, quando ainda criança, numa brincadeira inofensiva entre irmãs, resolvemos atirar pedras minúsculas uma na outra enquanto esperávamos nossos pais num estacionamento a céu aberto. O que logicamente não deu certo. Minha irmã ria ria e ria, até eu acertar um de seus dentes. Logo o da frente. Me tornei uma menina que ria muito pouco depois desse acontecimento, pois percebi a vulnerabilidade que os sorrisos nos trazia. Passei a escondê-lo com as mãos. Mas com o passar do tempo, já na vida adulta, elas passaram a esconder algo mais, não apenas lábios e cascas de ovo embebedadas ou não em vinho tinto. Daí a comparação dada à mim por minha mãe com Nina Kervel-Bey, em La Faute à Fidel. Dessa forma, eu fui uma criança que excluía qualquer performance que fossem necessárias distribuições de sorrisos. Então me restou o afogar a cabeça na piscina, ganhar medalhas e troféus principalmente pelo exímio nado borboleta, o ballet e sua sobriedade. Bailarinos não sorriem e, quando o fazem, é apenas um teatro numa festa infantil. O ballet é a contenção do suor, do barulho do salto abafado pelo linoleo, da dor que urra por dentro, mas principalmente dos dentes.
Modelos ganham milhões por desfile para esconderem seus dentes e erguerem seus narizes. Nas passarelas, precisam ser cabides ambulantes, sempre carrancudos. Seria fácil demais hipnotizar com um sorriso. A sua atenção certamente seria desviada e o produto a ser vendido, esquecido.

Para mim, Bardot para sempre carregará o troféu dos dentes do século. Os de Paradis passaram do ponto e me causam desconforto. Angelina inspirou Homero em algum de seus sonhos para que ele escrevesse 'decifra-me ou devoro-te'. Afronta com seu conjunto perfeito de lábios e dentes. Jane Birkin não mostrava os seus em vão. Uma pena. Jack Nicholson já demonstra um indício de sua perturbação por ali, em seu círculo de horror. Reese Witherspoon jamais teria jeito, o conserto deveria ser feito nos dentes, gengiva e queixo. Os da Xuxa são mais falsos que aspartame, que não os exponha perto de mim. Jane Fonda confessou ter gasto cerca de 55 mil dólares nos seus. Impecáveis, louça de banheiro. Emma Watson será uma idosa de sorriso infantil. Os do Coringa possuem alguma conexão com seu subconsciente. "Why so serious?" é o seu mantra porque o sorrir dói, e ele quer fazer doer também. Antonio Banderas não mostra os seus e eu prefiro assim. Marlon Brando jamais precisaria rir para hipnotisar, um caso raríssimo, devo dizer. Gael García prefiro com sorriso canto de boca. Brad Pitt poderia ser desdentado.

A gargalhada é uma especie de beleza que todos têm reservada, um convite para universos particulares. Por isso, quando me vires, não se apresente. Sorria e te direi quem és.

28/11/2011

Uma pessoa tola, daquela que carrega o caos dentro de si, de seu armário e o arrasta por onde quer que passe.
Para se arrumar, usa tempo suficiente para o ponteiro do relógio completar mais voltas do que deveria. Custa também, a paciência dos queridos, ao demorar encontrar seus pertences dentro de sua própria memória.
Dessa forma, ao deitar-se, já se angustia por saber o que terá de passar quando acordar. A desorganização das manhãs. Por isso, acorda duas horas antes do que precisa. Prefere o transtorno sereno à organização célere.

Certa vez resolveu anotar todos os respectivos lugares onde ficavam roupas, sapatos, cadernos, livros, fotografias, músicas, pares de meia e canetas.

Passou a encontrar tudo o que queria, no tempo certo, da maneira correta da melhor forma possível. A certeza passou a ser insuportável e, numa exímia disciplina, olhou-se no espelho e perguntou:

Onde eu fui parar?

Degustou o pior tipo de tolice possível. Estava mais desorganizada por dentro do que nunca.

26/09/2011

Virginia Woolf certa vez discorreu sobre a medida. Uma medida certa, para que o homem reconhecesse seu lugar no mundo e não ultrapassasse a limítrofe entre a loucura e a lucidez, a inocência e a culpa, o bem e o mal, sendo assim, todos os seus extremos.
Portanto, estar dentro da Medida, com letra maiúscula e já por minha conta, é estar dentro dos segmentos premeditados por todos do seu entorno, desde pequeno. Pois há também os que fingem ou pensam alargá-la.
Dentro da medida, é possível percorrer as estradas dessa vida sem tropeções, ruídos ou alardes. A Medida está na última fileira das salas de aula, verificando os que acreditam estar a excedendo.
A Medida senta ao lado daquele que aprecia as dezenas variações de vinhos, desde o tinto suave ligeiramente amadeirado até o prosecco - mas eu prefiro champagne.
A Medida acompanha os que rastreiam caminhos já pisados e, não alçam o sucesso. Porque o mundo, infelizmente, tem por sua maioria, uma multidão de fracos. Então a Medida os veste, pois a uniformidade lhes convém.

Coincidentemente li, posteriormente, sobre uma menina que alargava todos seus uniformes da escola por sentir não caber mais ali. Mesmo que sua mãe lhe comprasse o maior tamanho possível, ela o esgarçava, instintivamente.
Até ai tudo bem, até porque o estiramento da malha trás o conforto. Mas, o que fazer quando se rasga o traje por inteiro?
O que quero dizer é que existem milhares de peças a serem experimentadas e, a maioria delas pode não lhe cair bem. É certo que diante de alguns olhos, a sua roupa possa lhes parecer humilde, grotesca ou aristocrática. Depende de quem a vê mas, primeiramente, de quem as veste. E essa é a premissa.
Para algo realmente lhe cair bem, é preciso despir-se.
Nenhuma nudez será castigada.

09/08/2011

let's sea...




-----------------------------------------------------------------------------------------------------------Nividic lighthouse




07/08/2011

coube a algum de nós a cegueira às avessas, a retina permite mas não se quer ver
coube a algum de nós a procura pela falta, que sempre há de existir
coube a algum de nós carregar o peso daquela saudade que nunca vai terminar
coube a algum de nós o mundo nas costas, Atlas com as pernas estouradas e têmporas quentes
coube a algum de nós o alinhamento dos planetas, harmonia entre mãos sentidos e abraços
coube a algum de nós conseguir fazer dormir
e acordar
coube a algum de nós odiar com os olhos, respiração suspensa
cílios imóveis
coube a algum de nós a fantasia de ser feito de cristal
- deixo cair
coube a algum de nós a tentativa de esconder o sangue que escorre pelos poros com roupas vermelhas
cachecóis luvas meias
coube a algum de nós a ancoragem, fixação no fundo do mar para que o outro aprecie a paisagem
lá de cima
coube a algum de nós o cabimento ao outro, para deixar de ser
coube a algum de nós o medo do golpe, um olho na testa
e outro nas costas
coube a algum de nós o coração de pergaminho, abrem-se com a mesma facilidade em que papéis se desenrolam
coube a algum de nós o espasmo do susto, mão estendida frente à boca
tentativa inútil de cobrir o círculo
do horror
coube a algum de nós o equilíbrio em saltos agulha - tilintar de unhas que batem à mesa
coube a algum de nós a primeira e a última palavra
coube a algum de nós, se encher do mundo dos outros até explodir
coube a algum de nós perceber a atmosfera íntima e sentir
coube a algum de nós a vocação de expelir o vazio pela boca, abri-la e apenas balbuciar
coube a algum de nós não haver nenhum cabimento em deixar de ser, simplesmente porque não há espaço para caber naquele outro
coube a algum de nós imaginar pra expandir o mundo
a todos nós, cabe que muito ainda possa caber em nós.

24/07/2011

entre sem saber.



















Por ser absolutamente contra sinopses, resenhas, sínteses, ou qualquer outra derivação que tente resumir: eu recomendo, e só.
Mas esteja preparado, por que com um título desses...........lógico que ia dar merda.
Sugiro frases da obra, ao invés de pesquisas sobre.
Pra mim, o título já foi suficiente.


“Ela congelou o gesto de colocar as fotos no envelope, virou o rosto e me estudou, como se avaliasse se eu tinha mérito suficiente para receber o que pedia. Sustentar aquele olhar escuro foi uma experiência difícil. Fez com que eu me sentisse desamparado. Fiquei com a impressão de estar sendo visto de verdade pela primeria vez na vida. E também de estar vendo algo que o mundo não tinha me mostrado até então.”

13/07/2011

like a cliff goats -----



-------------porque, como cabras de penhasco, alguns perigam cair.

17/06/2011

Conto nos dedos vídeos que tenham conseguido filmar amor. O meu preferido, talvez para sempre será “American Beauty”, when the plastic bag dances in the wind for 15 minutes. Mas esta é apenas uma cena. Há muito tempo não assistia um filme inteiro retratado dessa forma. Coinciedência ou não, os dois últimos de gênero similar que tenha me deixado tão tensa e presa à história, foi com o mesmo ator - Ryan Gosling, em 'The Notebook', e em 'Blue Valentine', sendo formado por ele e pela maravilhosa Michelle Williams.

Ryan aparece por vezes, puro amor mas, por outras, exalando uma brutalidade grotesca. Nos intriga por não parecer possível tanto desperdício de carinho. Michelle contrapõe o cenário, aflorando uma sensibilidade digna de todos os prêmios do mundo. A cada cena um ascende mais que o outro, mas há um equilíbrio afinadíssimo. Há muito talento prometido ali. Longe de ousar fazer uma crítica ou referências ilustres a filmes/livros/atores, este é um filme que vale a pena ser comentado. Comentar só, porque falar sobre cinema é muito chato e desnecessário. Baftas e Oscars são uma tristeza sem fim. Sempre fica gente de fora e isso me atormenta. Então eu prefiro falar sobre o amor desse filme, que é preenchido apenas pela representatividade das cenas & imagens, diferentemente do também brilhante 'Closer-Perto Demais', de mesma linear e igualmente simples, mas construído puramente por diálogos & palavras. 'Eyes Wide Shut' também é um dos raros que chega a me perturbar.

A organização do roteiro me trouxe à memorabilia um livro muito amado, o “Mãos de Cavalo”, de Daniel Galera. O presente se confunde com o passado e, dessa forma, vai tentando nos orientar à realidade de fato. Nos impulsiona à direção contrária do que sonhamos por assistir a milhares de filmes sobre amor e acreditar nesta instituição ou mesmo naquele bobo, que pode acontecer em qualquer padaria a qualquer momento - o amor à primeira vista. Na verdade não importa muito a ordem dos fatos pois tudo já está mesmo perdido e, a gente percebe, desde as primeiras demonstrações da arruinada relação dos dois – tudo começa, claramente, quando Cindy não deixa suas crias (filha e marido) ciscarem a mesa como leopardos. Essa confusão temporal nos faz torcer pelo que se viveu. E sob essa perspectiva, me passava constantemente pela cabeça um texto da Lia Bock, que diz: “quando tudo parece estar perdido e o único caminho viável parece ser seguir a placa 'fim', nada melhor do que abrir a pasta de fotos. Lembrar daqueles momentos de sintonia e felicidade em que juramos ficar juntos pra sempre, se não renova, pelo menos nos enche de alguma coisa que não seja mágoa e tristeza.”

O filme inteiro é uma fortaleza pois mostra a construção e a ruína do sentimento dos dois. Todas as cenas do filme são de uma sensibilidade absurda e, daí o recado final que não há amor que resista. Nem filho nem promessas. “É impossível não amar o que fomos quando estávamos amando. É impossível não sorrir com o sorriso que demos quando, a dois, decidimos alugar aquele apartamento”.

Esta é uma história muito bonita, da descoberta do amor & afinidades, até o seu fim, repleta de submundos & resistência, resistência, resistência. Quando ele precisa dela, ela se fecha e esquiva. Quando ela tenta ajudar, ele a rejeita. A dados momentos, chegamos a odiar as atitudes dos dois porque eles são, basicamente, humanos. Seres que amam, erram, magoam e vivem. Nós, somos exímios expectadores.

É sufocante assistir de perto, o traçado da intimidade dos dois, o crescimento e o desgaste dos laços, até a ruptura total sem remenda nem nó possível. Torcemos para que o casamento acabe, mas pra que o amor se regenere. Torcemos pra que as brincadeiras de Dean voltem, pra que a meiguice e graça de Cindy se restabeleçam. Torcemos pra que aquela criança linda seja uma fonte de paz, mas não dá. Este é o perfil de um documentário, passa longe da ficção. É real e desolador demais. Pode ser o retrato de um casal que vimos discutir no carro, na casa ao lado ou quem sabe, futuramente, você.
Poucas vezes o cinema tem a oportunidade de tratar o que há de mais nevrálgico e avassalador num relacionamento com tamanha verdade & sensibilidade.




'American Beauty'


'Blue Valentine'


12/06/2011

Pierrot le fou - Jean-Luc Godard, 1965



Marianne: Look at the last page, there's a little poem about you. It's by me.
Ferdinard: Tender... and cruel... real... and surreal... terrifying... and funny nocturnal... and diurnal usual... and unusual handsome as anyone
Marianne: Pierrot le Fou !
Ferdinard: My name is Ferdinard. I have told you often enough. Christ almighty ! You bore me to death !

31/05/2011

barulho de água.
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sonho em qualquer canto, que escuto.
posso flutuar mesmo tendo pilhas e pilhas de palavras pra aprender ALEFE BETH sonho com queridos e de tanta saudade tudo fica bem sonho sem tempo pra comer sonho com minhas preces poucas e simples: meu deus, que não batam portas perto dos meus ouvidos; me afaste de alergias e de suspiros embrutecidos amém me explica porque é demais pedir isso?
sonho que estou suavizando cimento amolecendo tijolos com os dentes esfrego as mãos umas nas outras na tentativa de esquentá-las...
deito-me sob o edredom de plumas de ganso nesse sono fácil despertar químico; abraço todos esses livros e admiro com amor todos esses queridos que escreveram sobre salivas pássaros e vida substancialmente sobre a vida e, como eu quero ser...sinto-me Kerouac escrevendo em papel de pão pra não ter que mudar de página, penso sobre nossa cavidade bucal e a vida que há ali penso naquela reportagem que me atormenta há dias nesse frio que me sacode os ossos e, sonho sonho sonho. sonho ser lapidada. juro querer ser simples pragmática pontual. sonho que sou mãe. sonho com os caminhos que devo seguir guiada pelo meu coração de quem promete ser uma boa menina sonho com pedidos de desculpas à Tatyana por não haver no meu alfabeto a pronúncia perfeita pro seu nome sonho que juro que escuto o fim pra essa história que nem mesmo Pushkin conseguiu finalizar.
guardo o meu barulho de água, bem próximo da memória pois a qualquer momento posso precisar

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acordo com o choro daquela, daquela que não sabe se vive o sonho, se há sonho na vida ou o quê, mas que diz com todas as letras: eu vou ser!

20/04/2011

Carta aberta, amassada e jogada no chão por um faminto que revirava o lixo.


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Júlia,


Aprendi essa semana numa aula de roda - bem como aquela que tínhamos quando crianças, rodeados de lápis e desenhos espalhados pelo chão, muita coisa que já sabia, que pra mim não existia nome. Agora, nessa faculdade, as imaginações não vão mais pro papel. Apenas constroem narrativas que ouvimos sair naturalmente do arquivo extraordinário da Literata.


Escrevi no meu caderno 'Notas sobre o Belo', registros sobre culturas, cosmologia, alma e esplendor. E foi nessa aula que percebi que o Belo se escreve com letra maiúscula; que a beleza articula o belo com o bom, provindo do grego kalo e agathos; fui apresentado ao Fedro, no qual o Belo resplandece por toda parte. Mas quem resplandece é você Júlia, e por isso resolvi traduzir do grego para o português, com as minhas próprias mãos, a sua origem antes mesmo de você.


Porque vê-la, tão mais bonita, a cada distração sua? Estou dentro de uma bolha, ou o quê? Não sei porque é tão violento estar com você. Parece machadada no peito, ceifada nos sentidos. Ás vezes chega a doer.


Ontem te vi, de longe, sorrindo da mesma maneira que sorri ao fazer carinho com suas mãos de cavalo. Porque você é assim, delicadamente bruta. Poderia ter construído o oráculo de Delfos por observar o limite. Aperta forte demais quando abraça, quase rasga quando beija. Tem tanta vida que não cabe tudo aí dentro, então se dissipa pelos braços, cabelos e tato. É inteira demais pra alguma metade.


Escrevi certa vez sobre perfumes, cheiros e suas potências e, o seu é terra. Selvagem, serena, Terra paralela, quase ficção. Natureza do mito grego, indígena, Inca. És tu.


Te assisto passar como se assiste a cada onda do mar rebentar, com os pés sobre a areia, esperando-os afundar. Mar de ressaca, mas ressaca são seus olhos e, como vociferou Bentinho, 'para não ser arrastado, me agarro aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, pois a onda que saía delas vinha crescendo, a me tragar...'. A cor dos seus olhos descobri. Cor de abismo, eu já vi.


Você é mar mas, mar são as mulheres e, mulher é só você. Você é gentileza mas, Gentileza é um profeta que saiu escrevendo pelos muros da Cidade e, profecia só pode ser você. Você é fúria, mas fúria é música e, toda derivação de melodia é, inexplicavelmente, você.


Personificação do justo, garganta do chaos, princípio de tudo. No diálogo que cuidadosamente traduzi, bem dizia: 'É forçoso que o amante apaixonado inveje o amado, impedindo-lhe muitas convivências úteis, causando assim um grande prejuízo'. Então vá, solte minha mão. Pode ir que não quero lhe impedir nem prejudicar.


Promete que entende tudo que vou lhe dizer agora?


Já pesquisei sobre Maat, Filebo, eudemônico, e só encontrei você. Li sobre a virtude e o vício de Platão, a riqueza de Ptahhotep, Longo Sofista e só li você. Mergulhei na honestidade áspera de Anaïs Nin, analisei O Laocoonte, transcendi com as obras de Kush e Grie, descolei do senso comum e, do todo, entendi que você é poema e poema pode ser tatuado, mas pra que tatuar o que já se tem decorado?


'Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela; e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranqüilo, e o tédio; e a mulher anônima que te vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentaram te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: “moça linda…”; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu.'




João"


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18/04/2011

- Não entendi.

- O que?

- A última frase do Jabor na crônica de hoje. "Nós não sabemos ainda, mas nosso grande prazer será sentido quando não estivermos presentes".

Camila lê em voz alta para André, dando a primeira mordida no seu pão de café da manha. Camila leu o texto inteiro sem encostar na mesa, hipnotizada com o verso do Segundo Caderno, como faz todas as segundas e terças. São os seus preferidos.

- O que você não entendeu? Me desculpa, mas não me surpreende. O Jabor não fala mais nada com nada. Já houve o tempo...

- Não é verdade, não fala isso. Ele continua incrível. Só não sei se ele tá falando da morte física, da espiritual, do prazer impalpável ou do inalcançável.

- O que dá no mesmo. Tudo isso não seria mesmo o fim?

- ...

- Não sei porque você perde tempo lendo essas besteiras.

Camila olha pela janela, tentando alcançar alguma luz para esclarecer aquela escuridão.

12/04/2011

A professora de antropologia faz referência a simbologias que estamos, definitivamente, presos. Códigos nos conectam involuntariamente, e nos permitem afastar as mãos maior sinal de repugnância do Ocidente, ou aproximá-las - maior sinal de gentileza do Ocidente. É a inevitável análise do massacre, pois massacrados também estamos sendo, ou do acolhimento, não sendo necessariamente algo gentil, mas para fins de interesses.

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Bestializo os signos dessa cidade, passo os olhos e assisto, mas não vejo. Uma menina estende o braço direito e o dedo indicador, para fazer uma espécie de sinal, na expectativa de que o transporte pare para ela adentrá-lo. E ela consegue; um grupo de pessoas ainda bebe álcool em um bar, ás 6 da manhã de uma terça-feira; uma mão leve recosta sobre meu ombro. Levo um susto. Gentilezas têm recebido esse tipo de reação...

Não tenho vontade de compreender essa corrente interminável de símbolos, pois eu só preciso ir.

Estou há mais de uma hora tentando chegar no lugar, na promessa do saber e simplesmente não quero pensar em nada. Avisto o templo, ostentando um imponente sinal em seu topo. Finalmente chego e quase não acredito. Me restam 15 minutos de recomposição para entrar lá. Pressa antes das 7 não funciona.

Ao pisar na sala, os sinais de transmissão se curvam em minha direção. São cabeças, sem necessariamente alguma coisa dentro delas, mas que possuem um conjunto de mecanismos de receitas, regras e instruções. São obedientes, e geralmente as balançam quando concordam com alguma transmissão. Sorrio e expurgo o meu desejo de um bom dia. Todos compreendem. Meus condutores de informação enviam e recebem.

Que bom. Isso é normal e um sinal de que tudo está bem. Até eu avistar uma das piores coisas em vida: sinais bloqueados. A menina com seus sinais e cabos de transmissão decapitados. Ela não é muda nem surda. Apenas não há troca. Gesticula, abre a boca e tenta emitir qualquer coisa e, nada sai. Não escreve não relata não sente. A personificação da mesa ambulante. Uma mesa que fica em pé e anda. Prática e óbvia. Terrivelmente óbvia.

Uma mesa me incomoda. Me incomoda mas, compreensivelmente, não possui nenhuma cadeira à sua volta. Sua praticidade não serve de apoio, nem para copos ou punhos. Coitada da mesa. Lá vai ela, à procura de qualquer coisa. Certamente encontrará seu grupo, pois eles estão sempre em bando.

25/01/2011

Re-assisti "An Education" e, definitivamente, esse é um filme que vale pelo final. Jenny parece ser apenas mais uma menina, an doux fille, mas com todo seu conhecimento, consegue iluminar os seres embrutecidos que a cercam. A um certo momento, decide largar tudo por que ela sabe que a vida deve ser divertida, e não chata e entendiante como a própria diretora do seu colégio diz ser, a vida do estudante. Jenny quer engolir o mundo e enxergar as diversas cores que ele pode ter. Minhas linhas percorrem em paralelo, ou pelo menos percorreram. Nós duas tivemos que perder o chão para perceber que não, a vida que a gente quer não existe atalho e que, certas vezes, deverá ser insuportable. A minha história nada tem a ver com Paris ou com um homem de mau caráter, convicto de não ter nada a perder, tirando do outro. Faz consideravelmente parte da idade, querer abraçar tudo de todas as formas e esquecer tantas outras. Mas uns pulsam mais que os outros e pensam não ter saída, a não ser sair, au revoir, adieu, dasvidania, em todas as línguas. Aqui não tem nada para nós, não é cherrie? Mas eu simplesmente resolvi jogar tudo pro alto um pouco antes, quando ainda não tinha noção de francês, mas apreciava o quadro do Renoir que tinha o dobro do meu tamanho na sala de casa porque eu queria ser uma daquelas garotas - a sentada no piano, porque eu ia aprender a tocar piano, e dizia exatamente como Jenny, infantilmente como Jenny que, quando eu passasse para a faculdade, iria ler o que quisesse, ouvir o que quisesse, e finalmente ser quem eu quisesse. Criticávamos o método antiquado, mas o que pôr no lugar? Tínhamos vontade de alargar o uniforme e deformar a medida, mas o que usar no lugar? Nós estávamos erradas por que a vida que a gente quer não tem atalho, rappele mon ami? Oui, ela sussurra em meu ouvido. Então nós temos que correr mais do que qualquer um, porque nós rasgamos e jogamos no lixo a parte chata da vida – consideravelmente uma das mais importantes também. Porque nós achávamos que a educação que se aprende nos livros é muito mais rica da que a que o colégio passava. Era divertido ninguém acreditar na idade que eu tinha com um certo refinamento que muitas vezes me isolava.

Em uma das últimas cenas do filme, o Mrs Moller explica o porque de ter sido sempre tão rude com a moça. "I always lived afraid", he said. A cena ficou muito bonita, mas porque esperar tanto Mrs Moller, para falar apenas essa frase que pesa mais do que uma bigorna? A razão é óbvia, mas às vezes, quando parece que você tem a escolha de dois mundos absolutamente distintos e se ainda é muito nova, você definitivamente não quer um mundo très ennui. Diferentemente dos meus pais - que nunca tentaram justificar minhas defasagens na escola por uma falta de atenção exacerbada, sempre souberam que o que eu não tinha era juízo, jamais me insultaram pelas notas ruins no boletim. Eles sabiam que isso não resolveria nada.

O filme vale pelo final porque a vontade de desligar o filme é grande, enquanto a gente percebe que o brut a domina, mas seria fácil demais. Eu sabia que Jenny superaria porque ela aprendeu com os grandes. Sua educação foi retirada acima de tudo, das artes. Esse tipo de educação não se força o outro a querer, e o bom gosto não se aprende nas escolas: vem de dentro. E é essa força que vem de dentro que ainda me move. Me faz querer aprender, resgatar o tempo perdido cheio de chatice e tédio. Alguns sofrem desde muito cedo para ficarem no topo de listas, na frente de milhares de nomes. Topos que lhe concebem vagas honrosas em disputados colégios e faculdades por demais conceituadas. Que bom. Que bom porque os grandes cientistas e os maravilhosos engenheiros e os incríveis advogados não suportariam a espera dos que abandonaram tudo porque decidiram trocar a matemática pela música e a química pelos escritores amargurados. Eles precisam ser substituídos a altura.

Dispensável de comentários é a cena em que Jenny dança com Danny. Que sintonia linda. É tão bonito aquilo que, se eu fosse Lone Scherfig, esquivaria a Helen. Excuse, ami.

I suppose you think I’m a ruined woman”, Jenny fala com uma pessoa très savoir, levando em consideração a época em que a história se passa. A dona da resposta tenta ser pontiaguda, mas não consegue: “You’re not a woman”. A frase não chega a ter a força de uma agulha que perfura o dedo porque ela passou por une folie, fut juste un petit fille émerveiller. Mas não mais, porque Jenny fez parte de uma lista daquelas listas presque impossibles e entrou para uma das melhores universidades do mundo e quer crescer. Também me sinto velha, petit J, mas também não me sinto muito sábia porque se me permite, parafraseando David, o copo que nós queremos encher parece não ter fundo, e ainda que tivesse, todas as vezes que terminássemos de beber, o bateríamos na mesa com tanta força que, seria explícito o quanto gostaríamos de mais mais e mais. Portanto, a única certeza disso tudo é que na vida, a gente tem que fazer as coisas com devoção, porque isso "that's not half the battle, that's the whole war". Seja ouvir o dia inteiro Jacques Brel e os tantos outros maravilhosos, play the cello, ir a lugares incríveis ou ler ler e ler, para só depois dar valor ao que somos predestinados. Coisas que muitos têm como adquirir, mas a maioria nem chega perto.

No fundo, todos devem ter algo para ensinar ao outro. Seja retirando de revistas, jornais ou receitas. Helen consegue encarnar bem esse papel, ressaltando a beleza da garota que a cada cena aparece com mais amour, de franja, olhos rasgadinhos. Mas acima de tudo, nós não precisamos de homme serieux nem de sermos levadas pelo braço para os lugares, como David faz questão de falar diversas vezes o quanto o fez com a petit. Nós queremos nos guiar apenas com a vontade que temos de aprender, no faro, sempre em frente, sempre para frente, olhando para os lados e um pouquinho para trás. Enfim, não cheguei a largar o colégio ou ser algemada. Eu apenas violei uma história num livro de capa bem dura com dezenas de narradores externos, que é premeditada para cada um de nós ainda bem pequenos, para tentar escrever minha história com minhas próprias mãos. Retomo mais um início.