07/08/2011

coube a algum de nós a cegueira às avessas, a retina permite mas não se quer ver
coube a algum de nós a procura pela falta, que sempre há de existir
coube a algum de nós carregar o peso daquela saudade que nunca vai terminar
coube a algum de nós o mundo nas costas, Atlas com as pernas estouradas e têmporas quentes
coube a algum de nós o alinhamento dos planetas, harmonia entre mãos sentidos e abraços
coube a algum de nós conseguir fazer dormir
e acordar
coube a algum de nós odiar com os olhos, respiração suspensa
cílios imóveis
coube a algum de nós a fantasia de ser feito de cristal
- deixo cair
coube a algum de nós a tentativa de esconder o sangue que escorre pelos poros com roupas vermelhas
cachecóis luvas meias
coube a algum de nós a ancoragem, fixação no fundo do mar para que o outro aprecie a paisagem
lá de cima
coube a algum de nós o cabimento ao outro, para deixar de ser
coube a algum de nós o medo do golpe, um olho na testa
e outro nas costas
coube a algum de nós o coração de pergaminho, abrem-se com a mesma facilidade em que papéis se desenrolam
coube a algum de nós o espasmo do susto, mão estendida frente à boca
tentativa inútil de cobrir o círculo
do horror
coube a algum de nós o equilíbrio em saltos agulha - tilintar de unhas que batem à mesa
coube a algum de nós a primeira e a última palavra
coube a algum de nós, se encher do mundo dos outros até explodir
coube a algum de nós perceber a atmosfera íntima e sentir
coube a algum de nós a vocação de expelir o vazio pela boca, abri-la e apenas balbuciar
coube a algum de nós não haver nenhum cabimento em deixar de ser, simplesmente porque não há espaço para caber naquele outro
coube a algum de nós imaginar pra expandir o mundo
a todos nós, cabe que muito ainda possa caber em nós.