16/01/2012

Já escrevi sobre o meu amor por perfumes, cavalos e pedras. Junto à minhas adorações, o meu maravilhamento por dentes.

Eu amo dentes. Dentes branco casca de ovo. Porque assim que devem ser. Dessa forma, serão para sempre os maiores indicadores de higiene ou podridão. Denunciam vícios, uso de cigarros, coca-cola, café ou desleixo. Porque qualquer sorriso banguela ou com algo de errado obscurece a atmosfera. Por isso dentistas são reparadores da alma, os únicos profissionais permissivos a utilizarem a hipnose como método anestésico. Dizem que a dor causada pela morte de um nervo por engano pode ser transcendental. Não sei se é verdade, mas eu acredito e temo.

Em uma mitologia de linear provocadora sobre a humanidade, geralmente apresentada no início do curso de Sociologia, dentistas são referidos como “Homens-da-boca-sagrada” pois, acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Há a comprovação também da existência de uma forte conexão entre características orais e morais.

Um dia, quando ainda criança, numa brincadeira inofensiva entre irmãs, resolvemos atirar pedras minúsculas uma na outra enquanto esperávamos nossos pais num estacionamento a céu aberto. O que logicamente não deu certo. Minha irmã ria ria e ria, até eu acertar um de seus dentes. Logo o da frente. Me tornei uma menina que ria muito pouco depois desse acontecimento, pois percebi a vulnerabilidade que os sorrisos nos trazia. Passei a escondê-lo com as mãos. Mas com o passar do tempo, já na vida adulta, elas passaram a esconder algo mais, não apenas lábios e cascas de ovo embebedadas ou não em vinho tinto. Daí a comparação dada à mim por minha mãe com Nina Kervel-Bey, em La Faute à Fidel. Dessa forma, eu fui uma criança que excluía qualquer performance que fossem necessárias distribuições de sorrisos. Então me restou o afogar a cabeça na piscina, ganhar medalhas e troféus principalmente pelo exímio nado borboleta, o ballet e sua sobriedade. Bailarinos não sorriem e, quando o fazem, é apenas um teatro numa festa infantil. O ballet é a contenção do suor, do barulho do salto abafado pelo linoleo, da dor que urra por dentro, mas principalmente dos dentes.
Modelos ganham milhões por desfile para esconderem seus dentes e erguerem seus narizes. Nas passarelas, precisam ser cabides ambulantes, sempre carrancudos. Seria fácil demais hipnotizar com um sorriso. A sua atenção certamente seria desviada e o produto a ser vendido, esquecido.

Para mim, Bardot para sempre carregará o troféu dos dentes do século. Os de Paradis passaram do ponto e me causam desconforto. Angelina inspirou Homero em algum de seus sonhos para que ele escrevesse 'decifra-me ou devoro-te'. Afronta com seu conjunto perfeito de lábios e dentes. Jane Birkin não mostrava os seus em vão. Uma pena. Jack Nicholson já demonstra um indício de sua perturbação por ali, em seu círculo de horror. Reese Witherspoon jamais teria jeito, o conserto deveria ser feito nos dentes, gengiva e queixo. Os da Xuxa são mais falsos que aspartame, que não os exponha perto de mim. Jane Fonda confessou ter gasto cerca de 55 mil dólares nos seus. Impecáveis, louça de banheiro. Emma Watson será uma idosa de sorriso infantil. Os do Coringa possuem alguma conexão com seu subconsciente. "Why so serious?" é o seu mantra porque o sorrir dói, e ele quer fazer doer também. Antonio Banderas não mostra os seus e eu prefiro assim. Marlon Brando jamais precisaria rir para hipnotisar, um caso raríssimo, devo dizer. Gael García prefiro com sorriso canto de boca. Brad Pitt poderia ser desdentado.

A gargalhada é uma especie de beleza que todos têm reservada, um convite para universos particulares. Por isso, quando me vires, não se apresente. Sorria e te direi quem és.