22/01/2014

Rótulos vêm tarde - se você tiver sorte.

Somos uma coisa a vida inteira até a hora em que exista uma palavra para isso, que não necessariamente se integre com o que você sente, deep inside.
Ficou um certo tipo de rosnado guardado aqui dentro.

Hoje entendo que é um tipo de querer, pois percebi que a escola de John Fante foi Bukowski e, do Bukowski foi Dostoievski. Fui querendo&descobrindo&instigando e, acabei trocando os três pela Clarice. E esses sentimentos retornam a mim, com rótulo iluminado e tudo, bem o sei. Do rosnado e do querer, consigo captar o grito da prisão das meninas ----- Pussy Riot, coletivo russo de mulheres.
Escuto-as emergindo naquelas situações que te fazem sentir como um macaco em roupas de bebê, ou um peixe fora d'água, algo comum pra mim, devo dizer.


Fui uma faca de dois gumes desde o início da vida.
"Fio desencapado" intitulada pelo pai ou, em "estado alfa" por tantos outros íntimos.
Fui então, uma criança quieta, uma adolescente quieta, uma adulta quieta. Fui, também, uma criança bélica, uma adolescente bélica e, me torno cada dia mais, uma adulta bélica. Numa dicotomia que parece absurda, é necessário uma calma de gato e uma sabedoria marítima para que não se torne apenas um bezerro histérico, nessa última condição.
Um estudo sobre pedras e Aristóteles me fez entender que, somando extremos, resultamos em um equilíbrio manso.
Quando tentamos enxergar algo muito de longe, o que é gigante nos parece minúsculo e, não temos uma visão real do que se vê. Enquanto, aproximar demais uma imagem, nos distorce e embaça a visão.
Ser bélica, portanto, não tem a ver com urros ou gritos: o peito amarga quando há o abuso de poder, a injustiça, a renúncia, a injúria.
Não gosto quando não entendo, por isso, estimulo o acúmulo de raciocínio em vários idiomas.

Nunca senti precisar me comunicar com pessoas que eu já sabia que não iam entender (os ditos bezerros histéricos, como já mencionado) e, devido a isso, nunca tive a necessidade de ser compreendida por todos. Apenas queria ser, independente dos dedos e dos julgamentos dos outros. Então fiz 15 anos, queria fazer cinema, ler os beatniks, ver, ser, conhecer.

E os rosnados continuaram aqui dentro, mesmo que amansados.
Adélia Prado disse que, se os lobos corressem fora de nós, bastava um pedaço de pau e nós os afugentaríamos. Mas o movimento é deep inside
Daí o interesse em entender o Pussy Riot, pois é preciso ir um pouco além. É preciso saber sobre o outro lado do mundo, o Oriente, a Rússia, Putin, a questões religiosas e suas consequências.
Sendo simples e rasa, o Pussy Riot fez um protesto contra Putin, duas de suas integrantes foram presas e corriam o risco de ficar 5 anos em regime fechado por blasfêmia. Há pouco, saiu a notícia de que serão absolvidas, após a prisão em 2012. Certeza que a anistia foi concebida para melhorar a imagem do país, por sediar a Copa de 2016. Esta anistia marca os 20 anos da Rússia pós-soviética e, foi um acordo feito que atingirá mais de 500 mil detentos. Isso daria um livro mas, voltemos.

Quando se mora no Brasil, é louco pensar nisso. Protesto político aliado a condição sexual.
Aqui a revolução não é nem silenciosa, quem dirá sexual.
E eu moro no Rio de Janeiro. Cidade da festa da carne, do calor infernal, e das Havaianas.
Aqui, vulgar é quem não mostra o corpo.
Ofensivo, é quem não cultua o corpo.
Todos concluem, portanto, que o mais óbvio é mostrá-lo e tornar-se semi-deuses. Deusas.
E não há nada de mal nisso. Mas esse não é o início de conto grego...entendamos:

O Brasil é um país em constante desenvolvimento, e todos sabemos. É também, desde sua descoberta, um país de machos. Sua menina dos olhos, é o Rio de Janeiro, São Paulo que me desculpe. Uma cidade de praia, areia na porta do trabalho e de casa, turismo atrelado à economia, caipirinha&diversão, portanto: sem política. Todos sabemos da valorização esdruxulamente crescente dos imóveis, da camada de pré-sal e seus investimentos, do pão mais caro que o croissant da França, e do mundo inteiro querendo uma fatia de nós. Mas as mulatas parecem ser maiores. Uma cidade onde ser mulher implica biotipo e, livre direito de admoestação masculina - é o que eles pensam.
Ser mulher no Rio é viver sob a pressão do corpo. É ouvir frases indesejáveis de homens indesejáveis na rua, ser incomodada por carros em movimento que impedem a sua passagem para ouvir asneira. Ser mulher no Rio de Janeiro é ser desrespeitada todos os dias. Será preciso andar de burca ou ser feia pra ser tratada como uma mulher respeitável?

Em uma pesquisa realizada recentemente, cerca de 99,6% das quase 8 mil mulheres questionadas, já passaram por situações constrangedoras nas ruas.
Imaginando que algum comentário sobre nosso corpo feito por estranhos seja admissível, qual o limite entre o elogio aceitável e a cantada ofensiva? Pode chamar de linda? Pode passar a mão no cabelo? E colocar a mão no braço, pode? Parece que muitos acham que sim. No levantamento, 85% das mulheres afirmaram já ter sido tocadas ao andar sozinhas. 
Não raro, quando sofremos uma agressão dessas, pensamos: 'Como eu estava vestida?'. Como se isso fosse uma justificativa, ou se isso importasse. Esse raciocínio já é uma forma de violência.

Há um comportamento retrógrado nessa cidade, mesmo caminhando para a globalização do Estado, recebendo estrangeiros que buscam aqui lar e trabalho, com as grandes potências quebradas. E dentro dessa configuração, a mulher continua a ser tratada dessa forma no convívio básico, no dia-a-dia da ida à padaria, à praia ou ao trabalho. Mas eles não farão nada por nós. Cabe a nós, fêmeas que grunhem ou miam, que o façam.

Quando um homem qualquer se sentir no direito de abordar uma mulher da forma que lhe aprouver, rosne como um cachorro, um gato, um tigre, uma leoa grrrrrr e ainda CUSPA DE VOLTA. 

Tudo que podemos exigir é respeito. Respeito enquanto nação, e enquanto mulheres.